quinta-feira, 25 de maio de 2017

REVOLTA DO BUSÃO III


As Sinapses Urbanas do Caos

                        Edilson Freire Maciel

As cidades funcionam através de uma rede de conexões que lhes dão vida. Para tanto, é necessário haver fluidez em suas vias, ao contrário, enfrentamos obstruções, as quais aludimos de congestionamento.
                Essa alusão está associada ao mecanicismo descartiano da anatomia dos corpos, significando disfunção do sistema: um desequilíbrio comumente auto-corrigido pelo organismo em sua capacidade de compensação interna, ultrapassando o paradigma mecanicista até então em voga.

                Diferentemente do organismo que tem vida própria, através de sua capacidade de autopoiése, as vias “congestionadas” só ficarão livres com a intervenção humana, constituída por um corpo técnico especializado no estudo e solução dos problemas do trânsito, dando-lhe fluidez: por viadutos, túneis, etc., além do reordenamento interno.
                Tais intervenções no atual modelo de cidade, voltado exclusivamente para o automóvel, é entrópico, com tendência ao colapso do sistema por assemelhar-se ao princípio proporcional do crescimento Malthusiano: a cidade cresce de forma vertical e a produção de automóveis, de maneira horizontal.
                Essa irracionalidade é fortalecida pela lógica hegemônica do mercado, que colide com o projeto de cidade direcionado para os seus habitantes, tornando as metrópoles congestionadas e insalubres com a poluição automotiva. Um verdadeiro caos, do ponto de vista da mobilidade urbana.
                Eis a forma de crescimento imposta aos países periféricos pelas grandes multinacionais automobilísticas e do combustível, que resultou no uso do automóvel e do transporte pesado rodoviário, em detrimento do transporte de massa e de carga ferroviário.
                A implementação dessa política desenvolvimentista teve início em nosso país em fins da década de 1950, com a criação da indústria nacional de automóveis, a importação de montadoras estrangeiras e a abertura de estradas integrando o país. Dessa maneira, sua economia passou a ser movimentada através do transporte rodoviário, que passou a substituir as linhas férreas, até o sucateamento desse econômico meio de transporte de carga.
                A inviabilização do transporte ferroviário tornou as cidades mais poluídas, afetou a saúde da população e também contribuiu para o forte impacto inflacionário na economia popular, motivado pelo déficit na balança comercial do país, com a importação do barril de petróleo cotado em dólar, pelo fato de não sermos autossuficientes na produção dessa fonte mineral não renovável.
                Essa realidade implica numa mudança da atual política de transporte em nosso país, que priorize nas cidades, o transporte de massa, através de metrôs, VLT, e integração com ônibus- BRT, veículo longo de passageiros, com linhas exclusivas no perímetro urbano, integrado a ciclovias. Assim construiremos uma cidade voltada para as pessoas e não para os automóveis.
                Tal paradigma, o direito à cidade, manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização , ao habitat e ao habitar. O direito à obra, à atividade participante e o direito à apropriação, bem distinto do direito à propriedade, estão implicados no direito à cidade, conforme o pensamento do filósofo francês Henri Lefevre.
                Fundamentado nesses princípios que constituem a mobilidade urbana, na qual, a luta pela redução da tarifa do transporte, surge apenas como evidência da gratuidade desse serviço, tornando-o público na garantia à universalidade do direito de ir e vir.


UNIÃO - CAMPO- CIDADE
                Poucos dias após o massacre contra os estudantes que a mídia criminalizadora do movimento social qualificara de confronto, realizou-se no Centro de Convivência da UFRN, uma acalorada plenária de avaliação política do “confronto” com a polícia e, qual seria a resposta política efetivada na prática, para alavancar o movimento.
                Essa intenção se mostrara favorável com a atual conjuntura política: os trabalhadores rurais, inclusive os Sem-Terra,iriam se concentrar em Natal, no dia 21 de abril, no Grito da Seca, no qual apresentariam ao governo do estado uma pauta de reivindicações das demandas específicas do campo. A plenária, após exaustiva discussão, decidiu somar ao protesto dos trabalhadores rurais.
                Ao término da reunião, o BP Choque entrou no Campus Universitário, próximo ao local do encontro estudantil. Foram recebidos com vaias e gritos e chamados de fascistas. Como se não bastasse à violência cometida há poucos dias contra os estudantes, a polícia devassa, sem nenhum escrúpulo, o espaço universitário, no intuito de espionar alunos, através do registro de imagens pertencentes àquela instituição federal de ensino.
                Tal prática abusiva do governo do estado é um atentado às liberdades democráticas e ao estado de direito, que a sociedade brasileira, à duras penas, com a constituição cidadã de 1988, logrou conquistar.
                Portanto, ações arbitrárias dessa natureza e afins, causam repúdio e indigna toda a comunidade universitária, historicamente comprometida com o saber e a pluralidade de ideias, avessa aos beleguins do arbítrio, que num passado recente, de triste memória, transformou a universidade num tribunal da inquisição, no uso de expedientes macabros, manipulados em sua retorta luciferiana de espionagem e delação.
                No entanto, essa sombra nefasta deixou sequelas na Universidade, pois, ainda hoje, funciona no seu interior uma sala da ADESG, segundo nota de um jornal local. Ademais, em defesa do seu corpo discente, vindo tardiamente a se manifestar, de forma muito tímida, na condenação da truculência cometida contra os seus estudantes.
                Quanto ao corpo docente, este se posicionou politicamente através da Associação Democrática dos Professores, que condenou veementemente a arbitrariedade policial contra os estudantes e ao mesmo tempo instou a Reitoria a se manifestar.
                Portanto, a letargia política da Reitoria diante dos princípios universais da sacralidade do campus universitário que foi ferido ao se permitir a repressão cruzar a fronteira da universidade para atemorizar estudantes. Assim aconteceu quando da ocupação da Reitoria e se repete após a segunda grande Revolta do Busão.
                Evidente que a posição política pusilânime da Reitoria na defesa de seus estudantes, colide com o ideário democrático e libertário impingido pelo filósofo espanhol, Reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno, que se impôs na época da ditadura franquista, diante de um pelotão militar fascista que pretendia invadir a universidade, afirmando: não passarão. Para invadir a Universidade, primeiramente tem que passar por cima do meu cadáver.
                Eis o exemplo que se tornou emblemático em todo o mundo, na defesa da sacralidade do universo acadêmico. Algo que vergonhosamente a Reitoria da UFRN não se espelhou, tornando a Universidade vulnerável a toda sorte de ingerência policialesca em seu interior.
                O movimento estudantil fez uma aliança tática com os Sem Terra que estavam acampados no Centro Administrativo, acompanhando-os na manifestação até à Prefeitura, em que resultou numa audiência com o chefe da Casa Civil do município e representantes dos Sem Terra e da Revolta do Busão, na qual foram elencadas as seguintes reivindicações:
01.    Redução do aumento das passagens;
02.    Fim da dupla função;
03.    Estabelecimento de fórum permanente de discussão sobre mobilidade urbana;
04.    Retorno das linhas que foram extintas;
05.    Aquisição de merenda escolar junto ao PNAE;
06.    Projeto de alfabetização;
07.    Liberação de Educador;
08.    Deliberação conjunta acerca do cardápio escolar e adequação à realidade da produção local.


                Em seguida, um grupo de manifestantes se dirigiu juntamente com os Sem Terra até à sede do INCRA, onde, através de negociação com aquele órgão federal, os Sem Terra conseguiram uma área no município de Goianinha.
                Dias após a audiência que seria com o prefeito, foi realizada uma reunião com representantes da SEMURB e dois representantes da Revolta do Busão, sobre as propostas já elencadas. Dessa maneira, o sonho político propugnado pela esquerda no início do século XX, tornara-se uma realidade, embora pontual, na presente conjuntura em que a mobilização social urbana é a principal protagonista.

                Em vista dessa realidade, quais as perspectivas possíveis, no marco das contradições sociais e políticas, de que, segmentos sociais possam fazer aliança para o fortalecimento do movimento Revolta do Busão?
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